quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

10 de Janeiro de 2012 - 28 dias desde a tua morte

Faltam 3 dias para fazer um mês, nove dias para o teu aniversário. Fazias 19 anos se fosses vivo. Não tinha como imaginar que o ano passado ia ser o teu último aniversário. Chateei-me contigo nesse dia. Chorei encostada à praça de toiros porque tu querias ir almoçar com eles àquele café e eu não ia lá e tu preferiste almoçar com eles do que comigo. Hoje penso nisso e vejo o quanto mesquinha fui nesse dia. Poderia ter ido, afinal era o teu dia de anos, mas não fui. Não fui e tu no fim fizeste-me a vontade, fomos comprar o almoço e fomos pra vala, pra casinha. Estivemos lá toda a tarde, à tardinha a mãe do P. e a J. ligaram-te para ires lá. Fui contigo. Tinham um bolo, um travesseiro com duas velas em cima. 18. Um pra ti e outro pra J., que também fazia anos. Tu ficaste todo feliz, como ficavas sempre com as coisas simples. No fim de semana, fizeste o teu jantar de anos, no Cantinho. Lembro-me que ficaste cheio de ciúmes do Pamp. A seguir fomos àquele bar ao pé da minha casa. Foste-me levar a casa, chateados, cheios de frio. Deste-me o teu casaco. E no fim de eu ser the biggest selfish bitch ever, tu ainda me agradeces-te pelo nosso dia e disseste que me amavas. Foi o último aniversário que passei contigo. Dia 19 vai ser horrível pra mim... Será que algures farás 19 anos? Ou a tua vida ficou realmente cortada para sempre aos 18? Preocupa-me. Todos os dias tenho o mesmo sonho. Todos os dias acordo a meio da noite e quando adormeço tenho o mesmo sonho de sempre. Estou com os médicos, estão-me a vestir uma bata e a falarem comigo, a dizer-me como tu estás e o que vou ver. E depois deixam-me ver-te. E tens muitos tubos e fios à tua volta, a máquina apita a cada inspiração que fazes, eu falo contigo. Digo-te que se acordares, ficarei contigo, que nunca mais te largo. Os dias passam e eu vou sempre à visita. Tu começas a melhorar e acabas por acordar. Não conseguias falar, mas apertavas-me a mão com força. E depois não sei ao certo o que se passa, mas estamos no hospital e tu estás bem, não morreste. No meu sonho, não morres. No dia 12, eu pedi muito a tudo o que sabia, pedia, pensava dentro de mim que tu ias conseguir, tu ias sobreviver e que nunca mais nos íamos deixar um ao outro. Eu não dormi de noite, eu passei a noite a pensar em ti, a pedir para tu viveres na esperança que me ouvisses. Eu precisava que tu tivesses lutado. No dia 13 de manhã, eu decidi que me ia vestir bonita porque te ia visitar, ia entrar naquela visita apesar de tudo e tinha de estar bonita para ti. Vesti as minhas leggins castanhas novas, uma camisola de lã de manga curta com uma malha trabalhada e as botas de camurça castanhas. Nunca mais me hei-de esquecer. Ainda não tinha saído de casa e já sabia que devia ter vestido preto... A tua irmã ligou para irmos o mais depressa possível para o hospital, estavas muito mal. As lágrimas corriam-me pela cara abaixo sem eu as conseguir sequer controlar, descia as escadas de casa agarrada às paredes, o mais depressa que conseguia enquanto me engasgava no meu próprio choro. Saímos de casa o mais depressa possível, fomos à minha avó, passamos no café e fomos. Os teus amigos ligavam-me a implorar novidades. Mas nem eu sabia o que responder. Chegamos ao hospital. A tua irmã ainda não estava lá. Pedi ao segurança por favor para me deixar entrar. Desfeita em lágrima à frente dele e não me deixou entrar. Fui pedir uma autorização na entrada, não me deram. Não me deixaram entrar, mas o teu pai e o teu irmão entraram sem autorização nenhuma. O teu cunhado também conseguiu passar, eu não. Eu não te era nada, eu não tinha o teu sangue, eu não tinha o direito de passar. Depois passado um bocado lá veio a tua mãe... A tua outra irmã tentou falar comigo, eu não fazia ideia de quem era e não dei grande importância. O choque da tua morte instalou-se em mim, o meu corpo encostou-se à parede mais próxima e deixou-se cair em tremores. Estava muita gente à minha volta, a minha mãe pedia ajuda. Tiraram-me do chão, a minha mãe e a mãe de um amigo teu, sentaram-me e as enfermeiras trouxeram-me um calmante. Perguntavam o que tinha acontecido, mostrei-lhes uma foto tua 'parece um anjo', disseram. Tu não parecias, tu eras, infelizmente. Tinha calor, o calor que faltava ao teu corpo. A tua irmã ainda conseguiu subir ao piso 1, não te quis ver porque já estavas morto e não teve coragem. Morto. Estavas morto. Fiquei chateada por dentro, morto ou não, eu tinha-te visto. E ela tinha desperdiçado a vez dela para te ver. Mas pronto. Naquele momento haviam coisas muito piores... Tentava chegar à porta do hospital, a minha mãe e a mãe do A. tentavam parar-me, mas eu chegava lá. Queria esperar os teus amigos, vinham todos a caminho. Uns vieram com o M., os outros arranjaram um táxi porque os transportes iam demorar muito tempo. Eles chegaram e outro capítulo começou.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

5 de Janeiro de 2012 - 22 dias desde a tua morte

22 dias passaram desde a tua morte. Há 22 dias atrás a esta hora, o teu corpo já não se mexia, tu já não existias. Eu deixei de existir contigo na hora que a tua mãe saiu de braços abertos pela porta do hospital, num choro, com a frase 'Já foi, já foi...'. Já foste para onde? Onde estás? Como é esse novo mundo? Será que me vês? Será que sabes onde estou? O que sinto? 'Já foi...' e o meu mundo desabou... Eu gritei, eu gritei com todas as forças que tinha 'O meu ... não !' e caí no chão a tremer. Arrancaram-me uma parte de mim. Tu levaste contigo, talvez eu não diria uma parte, mas o meu todo. Digo uma parte porque, infelizmente, eu respiro e há vida em mim. Isso tu não conseguiste levar contigo, quem me dera que conseguisses. Não sei se onde estás as pessoas vivem normalmente, se se tocam, se têm matéria física. Mas independentemente de eu te conseguir tocar ou não, quem me dera estar aí contigo, poder ver-te no teu melhor como estavas sempre. Ninguém me disse mais cedo onde tu estavas, acredita que se eu soubesse, eu tinha-te dado tudo o que eu pudesse do meu corpo para tu sobreviveres. Eu teria lá estado todos os dias naquele hospital e teria ido buscar forças onde eu as desconheço, rezar se fosse preciso, para que tu vivesses. Nunca me foi dada a oportunidade de te ver antes de tu morreres. Questiono-me se isso teria mudado alguma coisa. Se se eu tivesse falado contigo, tu sentisses que valia a pena lutar pela vida. Sabes que se acordasses eu ficava contigo. Eu nunca mais, nunca mais, te largava. Ia ficar contigo, custasse o que custasse, eu ficava contigo. Eu era tua, eu sempre fui tua. Eras meu? Amavas-me? Eu amava-te. Mais do que a própria vida, mais do que qualquer outra coisa neste mundo. Era sempre a ti que eu voltava quando tudo ficava mal... Quando eu era apenas uma menina perdida, eras tu quem me segurava, mais ninguém sabia como o fazer... Ninguém sabe. Às vezes, tenho medo de me esquecer de ti, tenho medo de me esquecer de como vivemos, de me esquecer do teu cheiro, da tua voz... Daquelas coisas que as fotografias não guardam.